segunda-feira, 24 de maio de 2010

Oops, I did it again!

Foi quando no sonho mortal tudo passou-se. Tudo passou-se outra vez. Sim, pequei. O sacrifício é muito, e eu não suportei a tentação. Mais uma vez. Outra vez caí no erro. Deixei-me ir pelas ciladas, por caminhos obscuros,frios, ainda por ladrilhar. Caminhos estes onde as árvores desfolhadas dançavam ao vento macabro, com o intuito de assustar os pobres pecadores que ali passavam. Mas... Eles não tinham medo. Sorriam. Inócuos. Acreditavam, outra vez, que iam pelo caminho certo. E eu, parvo, insensível, sabia. E nem para avisar aqueles inocentes mortais que o caminho não era aquele.Mas eu também ia. Outra vez eu ia... Ia na esperança de agir com êxito, mesmo a pecar, embora soubesse que outra vez iria rasgar a carne e sentiria arder quando chovesse fel. Mas fui...Outra vez eu fui. Se me arrependo? Não sabes quanto!

Mas, e agora?

Agora, é esperar, vigiar. E não permitir que aconteça. Outra vez. Fazer os possíveis, fazer os impossíveis para ir por caminhos iluminados. Caminhos iluminados pela lua e ladrilhados com pedras de brilhante. Deixar de lutar em vão. Vencer estrategicamente. Perspicácia!

Seduzo, atraio, encanto. E vivo, faço e aconteço.

Isso, só isso, nada mais.

Vamos tentar outra vez?
Nada me prende a nada.

Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo.

Anseio com uma angústia de fome de carne

O que não sei que seja -

Definidamente pelo indefinido...

Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto

De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.

Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias.

Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.

Não há na travessa achada o número da porta que me deram.



Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.

Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.

Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.

Até a vida só desejada me farta - até essa vida...



Compreendo a intervalos desconexos;

Escrevo por lapsos de cansaço;

E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme;

Não sei que ilhas do sul impossível aguardam-me naufrago;

ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso.



Não, não sei isto, nem outra coisa, nem coisa nenhuma...

E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei,

Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa

(E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas),

Nas estradas e atalhos das florestas longínquas

Onde supus o meu ser,

Fogem desmantelados, últimos restos

Da ilusão final,

Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido,

As minhas cortes por existir, esfaceladas em Deus.


(extracto de Lisbon Revisited (1926) de Álvaro de Campos)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Nós (Palavras em vão)

Porque a vida sabe o que traz.
Por isso eu não me preocupo…
Para quê o medo de ficar sozinho?
Pois a vida encarrega-se de encontrar alguém.
Por nós.

Por nós, sim, por nós.
Somos incapazes de fazer o que ela faz por nós.
Fracos, lerdos, parasitas, humanos.
Nós.

Mas a vida trouxe-te para mim.
Como a aragem fresca vinda do oriente.
Como uma brisa do mar, pura e… fresca.
Não para ser eu, nem tu.
Para ser Nós.

Contudo, a vida nem sempre acerta no que traz.
Por isso temos de ter medo de ficar sozinhos.
Por isso devemos ficar preocupados.
Porque a vida também erra.
Tal como nós.

Porque tudo é efémero e tem fim.
Nada é para sempre, nem para sempre será.
Nem a vida.
Nem tu, nem eu.
Nem nós, que nunca fomos.